sexta-feira, 20 de março de 2015

Pós 15 de março: controle pelo ódio

No último domingo (15/03), alguns milhares de cidadãos foram às ruas do país exigir mudanças políticas. Houve quem pedisse o resgate da nação pelos militares. Houve quem discriminasse Paulo Freire pela barba. Quem exigisse o exílio da presidenta para sua suposta sentença de morte na Indonésia. Também houve quem pedisse reforma política. Quem demandasse transparência nas investigações do escândalo da Petrobras. Quem execrasse a corrupção infiltrada no governo. Evitando o tom genérico, houve diversas pautas misturadas num conglomerado considerável, porém menor do que a princípio divulgado, de insatisfeitos. Imagino que essa seja a palavra comum. Insatisfação.

            De toda forma, as passeatas do dia 15, assim como as do dia 13, foram formas legítimas da expressão do descontentamento. E, como dito pela presidenta, são próprias da democracia. Nenhuma manifestação pacífica desse gênero será suprimida por força estatal. É importante, então, ressaltar que não houve quebra-quebra, baderna, revolta, conflito ou linchamento.
            Porém, sobrou ódio. Não de um grupo. Não de um lado. Não de um final de semana. Mas de um país. Um que luta contra si mesmo.
            A cobertura dos acontecimentos foi feita, em larga escala, através da maior emissora de concessão estatal do país. Foi inegavelmente tendenciosa. Mostrou e contabilizou de acordo com seu interesse capital. Os mecanismos de comunicação pré-internet são sempre controlados pelas forças de poder e opressão. Acredite, havia interesse.
            Em seguida, deu-se, através da plataforma “democrática” da informação, o contra golpe. A raiva aferida nas ruas foi respondida em sites, blogs, comunidades e redes sociais, infelizmente, com mais raiva. Os escritores encontraram nas avenidas um prato cheio para suas justificativas ideológicas, sim. Porém deve ser coerente dizer que também havia interesse aí.
            Então ódio foi respondido com ódio.
            O jornalista e defensor dos Direitos Humanos, Leonardo Sakamoto, decidiu dois dias após as manifestações (17/03), fechar seu blog para comentários. Por mais de oito anos, publicou, reafirmou e reconstruiu sua opinião em conjunto com os leitores que prontamente iniciavam discussões na página. Sempre lidou, disse ele, com os raivosos inconsequentes que passavam por sua plataforma, de forma a respeitar também suas opiniões. De uns tempos pra cá, culminando na terça-feira, não pôde mais corroborar com a ferocidade da violência dos comentários e cancelou a opção. Havia raiva direcionada não às suas opiniões, mas ao rótulo de ideologia vinculada ao seu nome.
            Nas eleições do ano passado, o país mostrou sua bipolaridade. Dois lados que se diziam certos e que indicavam os opositores como encarnações do mal. Corruptores ou ladrões da liberdade. Já nesse período, a violência estava escancarada. Disseminada por cada esquina. Cada bar, sala de aula e lar.
            De todo modo, isso não é importante agora. Não é o momento para discutir o certo e o errado. A justiça e a calúnia. O que devemos enxergar, enquanto nação, é que perdemos o foco. Não sabemos mais quem devemos combater, porque estamos combatendo nós mesmos.
            George Orwell, em 1984, nos alertou sobre o ódio enquanto ferramenta de ilusão. Dizia ele que num Estado divido entre Baixos, Médios e Altos, mecanismos seriam criados para promover a luta entre Médios e Baixos enquanto, confortavelmente sentados, os Altos assistiriam aos conflitos. Na disputa, os lados lutariam por melhoria ou manutenção das condições de vida, através de ideologias e força física. No entanto, ambos estariam sendo privados, pelos Altos, do verdadeiro conforto e estabilidade. “Dividir para conquistar”.
            Soa familiar?
            No livro Simulacros e simulação, do francês Jean Baudrillard, uma de suas análises recai sobre a corrupção. Diz que os escândalos são ferramentas do próprio sistema para se justificar. Ao ser desmascarado, o caso de corrupção vira troféu da justiça pública. Os envolvidos são caracterizados como indivíduos com desvio de conduta social, que não correspondem com resto dos trabalhadores do Estado. De acordo com o autor, o sistema é a própria corrupção. O individualismo crescente se mostra de forma mais crua na corrupção, o favorecimento próprio financiado pela violência ao outro.
            O Brasil parece construir um quadro próprio. Afinal, aqui “todo político é corrupto”. Queremos todos a mesma coisa. Porém, deixamos pormenores impedirem nosso diálogo. Verificamos a corrupção histórica construída abertamente através dos anos e, no entanto, ainda caímos nas mesmas armadilhas de dissuasão. Nós acreditamos na televisão. Esquecemos se a Seleção vencer. Deixamos passar porque é pouco. Damos um jeito.
            Ainda não chegamos aos 30 anos de democracia. Estamos aprendendo a respeitar o discurso alheio e entender que cada um é, no entanto, responsável pelo que diz. Estamos aprendendo a votar e a exigir. Estamos aprendendo a dialogar e a fazer greve. Não podemos, porém, perder o foco da luta.
 Agradecimentos a Tiago Quirino

Diego Novaes

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