Eu quero falar sobre O Sol Também Se Levanta, mas não há
necessidade de repetir o que já foi dito, e por pessoas bem mais qualificadas,
sobre a casca dessa história. Sobre como Hemingway conseguiu reproduzir um
retrato crítico da “geração perdida” tão fiel que é quase possível sentir o
cheiro do vinho. Sobre como a escassez de descrições dos personagens quase
implora para que você foque sua atenção em suas personalidades. Sobre como a
grandiosidade com que as touradas são tratadas quase consegue fazê-las parecer
menos cruéis. E sobre como aquelas pessoas possuíam tempo livre. Tudo isso já
foi dito. Eu quero testar algo diferente.
Geralmente as histórias são
construídas com uma linha climática. Uma trilha que orienta os acontecimentos
da narrativa para que o leitor mantenha o interesse na leitura. A princípio
está tudo bem. O mundo é apresentado e os personagens ganham os primeiros
contornos. Tudo caminha como sempre caminhou. Então algo acontece. Algo que
quebra a monotonia e faz os personagens se moverem. A estabilidade dá lugar a
uma jornada que se torna cada vez mais veloz e intensa à medida que se avança.
Então os acontecimentos importantes culminam no clímax da narrativa e as
questões que deveriam ser resolvidas se resolvem, bem ou mal. Por fim, uma nova
estabilidade é construída e a história chega ao fim.
Não há nada disso na narrativa de
Hemingway. Pelo menos não de forma convencional. Tudo acontece como se nada
fosse importante. Mais uma noite, mais uma bebedeira descontrolada. Quase como
se o próprio Hemingway houvesse se afastado da máquina de escrever e liberado
os personagens para viverem suas próprias vidas. Um dia após o outro.
Talvez a viagem ao país basco
arranhe o conceito da jornada dos personagens, e a tourada resvale num suposto
clímax da história. Mas a tensão está tão diluída entre os diálogos ébrios dos
quatro viajantes que o festival em si acaba sendo mais uma coisa que acontece e
não A Coisa Que Acontece. Na verdade, os eventos na viagem tornam-se uma
repetição dos eventos na França. O mesmo vagar por bares. O mesmo passear por
restaurantes. As mesmas discussões em torno da mesma mulher.
Uma história ortodoxa se
assemelharia ao escalar de uma montanha. De longe você vê a torre de pedra
ainda sem precisão. Você se dirige a ela passando por planícies longas e
verdes. E então começa a subir. Vez ou outra desvia o caminho, à procura de uma
trilha mais fácil, porém sempre subindo. A jornada vai ficando cada vez mais
árdua, cada vez mais íngreme. Então você chega ao topo. Para onde tudo aponta.
O
Sol Também Se Levanta
não é uma montanha. Nem sequer é terra. É um mar agitado. Cheio de ondulações.
Cheio de pequenos pontos de tensão que preenchem toda a superfície da história.
Nunca se elevando demais, nunca se transformando numa tormenta, mas sempre
balançando o barco. Diego Novaes
Nenhum comentário:
Postar um comentário